07 fevereiro 2006

O nosso governo e o deles


Há um bom tempo o governo Lula vem sendo alvo de acusações. Seu principal adversário, o PSDB, ansioso por retomar o poder, não cansa de apontar-lhe o dedo, sabe-se lá com que autoridade moral ou política.

Em síntese, mal-disfarçando o objetivo central de enfraquecer o PT nas eleições deste ano, professam os tucanos, do mais alto pedestal da hipocrisia, que o governo Lula é uma imensa decepção em todos os sentidos: incompetente, corrupto e tudo o mais de negativo. Será mesmo? Para uma breve avaliação, proponho um critério óbvio: comparemos o governo do presidente petista Lula ao do presidente tucano Fernando Henrique.


Do ponto de vista da economia, os números são francamente favoráveis a Lula. A balança comercial bate recordes no governo atual, com superávit médio acima de US$ 34 bilhões, enquanto nos oito anos de FHC a média foi de quase US$ 2,5 bilhões... deficitária!

O risco-país em janeiro de 2002, no governo FHC, alcançou 1.445 pontos, e hoje bate recordes positivos, ficando perto dos 270 pontos. Por conseqüência, as condições para o investimento e para o crescimento melhoraram: a renda dos trabalhadores alcançou média de R$ 972,61, a maior desde 1997; a taxa de desemprego, que fora de 12,2% em 2002, caiu para 9,8% em 2005; o salário mínimo em dólares saltou de US$ 56,50 em 2002 para US$ 128,20 em 2005; a Bovespa atingiu o patamar recorde de 35.223 pontos em janeiro de 2006.

Em suma, no governo Lula o país cresceu mais, o desemprego caiu, criaram-se mais postos de trabalho formais. E o mais importante, houve inclusão social, com diminuição da desigualdade de renda e combate à miséria: os brasileiros abaixo da linha de pobreza, que passavam de 35% em 2002, caíram para 25,1% em 2004.

A dívida externa alcançou US$ 210 bilhões em 2002, mas vem caindo no atual governo, atingindo US$ 165 bilhões em 2005. Por falar em dívida externa, enquanto Fernando Henrique recorreu ao FMI por duas vezes para salvar o país da insolvência, Lula quitou a dívida e, via de conseqüência, desvencilhou a política econômica das imposições que vinham junto dos empréstimos do Fundo.

A dívida líquida no governo FHC, apesar das privatizações realizadas, saltou de 30% do PIB em 1994 para 55,5% do PIB em 2002; em 2004, recuou para 51,8% do PIB e está estabilizada.
Tudo bem, tudo bem – diriam os tucanos –, mas o presidente Fernando Henrique controlou a inflação. O que talvez se esqueceriam de dizer é que a mesma inflação foi de 12,5% em 2002 e de apenas 5,7% em 2005.

Mas a carga tributária e as taxas básicas de juros são escandalosas, diriam os críticos da “social-democracia brasileira”. Nesse caso, demonstrariam gritante amnésia: durante o governo do PSDB, a carga tributária bruta subiu de 29,5% para 35,5% do PIB, entre 1994 e 2002, ficando em 34,9% em 2003, já no governo Lula; e os tão propalados juros básicos, que hoje estão em menos de 18% ao ano, eram de 25% em janeiro de 2002. Enfim, quanto às críticas dos tucanos ao governo Lula, lembramo-nos da velha máxima: faça o que eu digo, não faça o eu que faço.

Diante desses números, os tucanos certamente apresentariam os seguintes argumentos: 1) os resultados positivos do governo Lula derivam em grande parte da conjuntura internacional, e também das conquistas institucionais geradas pelo governo anterior; 2) os bons resultados são relativos, já que o Brasil só cresce mais que o Haiti na América Latina, e menos que a China, a Índia e o México, por exemplo.

Em resposta a esses argumentos, deve-se ponderar que o país vem, desde a promulgação da Constituição de 1988 e sob a égide de seus princípios, aperfeiçoando suas instituições. Inegáveis são as conquistas quanto à racionalização da gestão pública, como a emergência da responsabilidade fiscal como um valor social a ser definitivamente prezado pelos governantes.
Mas o que os tucanos escondem é a “herança maldita” por eles deixada, como o aumento gigantesco da dívida pública e a bomba-relógio, difícil de ser desarmada, da estabilidade fundada na carga tributária e dos juros elevados.

Também é certo que a conjuntura de crescimento mundial explica em boa medida as exportações brasileiras, os investimentos aqui feitos e o crescimento constatado. Todavia, essas ponderações jamais podem ser trazidas pelos críticos para desqualificar as conquistas proporcionadas pelo governo Lula, especialmente sendo os críticos tucanos.

Ora, se a conjuntura internacional favorável diminui os méritos do atual governo, o mesmo deveria ser feito em relação à estabilização de preços propiciada pelo Plano Real – o grande feito atribuído a Fernando Henrique e ao PSDB –, uma vez que a inflação certamente persistiria se não houvesse, como um dos fatores fundamentais, o aumento da liquidez internacional gerado pela globalização financeira. Aliás, não foi apenas o Brasil a ter sucesso sobre a crise inflacionária, mas todos os países que também sofriam do mesmo problema.

Também é certo que o Brasil vem crescendo menos que México, Índia e China, países cujas especificidades econômicas e políticas diferem das nossas. No entanto, há que se ressaltar que o crescimento brasileiro, apesar de menor, se dá com diminuição da desigualdade de renda, o que não ocorre naqueles países, pelo contrário.

No Brasil, o índice de Gini, que mede as desigualdades sociais, caiu de 0,597 em 2002 para 0,574 em 2004, o que reflete em boa medida a eficácia da política de transferência de renda (vide Bolsa-Família), o aumento do poder de compra do salário mínimo e os 3,8 milhões de postos formais de trabalho gerados no governo Lula.

É claro que a economia brasileira não está às mil maravilhas, e não interessa ao PT criar tal ilusão. Há muito a ser feito se temos como horizonte – e temos! – uma sociedade justa e igualitária.

Mas o que não abrimos mão de mostrar é que a gestão petista tem, sim, compromisso em colocar o Brasil na trajetória do desenvolvimento econômico com justiça social, oposto à sociedade de oprimidos e opressores secularmente construída sob a colonização, o imperialismo, o entreguismo, a dependência externa, a exploração das classes menos abastadas por uma elite marcadamente parasita, a escravidão e, mais recentemente, a especulação financeira globalizada.

E o governo Lula tem, sim, logrado conquistas importantíssimas na transformação da sociedade brasileira. Diante do exposto, e apostando-se nas críticas do PSDB, o que garante que um novo governo tucano seria diferente daquele por eles dirigido por 8 anos?
Ah, a questão não é “meramente” econômica", diriam, mas, sobretudo, ética. E tem mais, rematariam: o PT, que tanto falou em ética, agora protagoniza “o maior escândalo da história do Brasil!”. Será ?

Em primeiro lugar, façamos uma distinção raramente feita: diferentemente do governo do PSDB, que tinha expressiva maioria parlamentar e simpatia da mídia, o PT é minoritário no Congresso Nacional e visto com grande antipatia por parte dos meios de comunicação, como bem ficou evidenciado na discussão da Ancinav, enviesada pelos interesses particulares desses meios.
Isso explica, por exemplo, por que há três CPIs em relação ao governo Lula, diferentemente do governo FHC, que tinha poder para barrá-las. Portanto, a razão de existirem CPIs durante o governo Lula e a ausência das mesmas no governo Fernando Henrique, diferentemente da explicação “para boi dormir” dos tucanos, não tem muito a ver com o fato dos mesmos serem “limpinhos”, enquanto os petistas são “sujinhos”.

Ou será que, da mesma forma que as declarações de Roberto Jefferson sobre o “mensalão”, não justificaria a criação de CPI os indícios de compra de parlamentares na aprovação da emenda da reeleição ou as evidências de favorecimento a determinados grupos nas privatizações?
Para derrubarmos a santidade de pau oco do PSDB, basta enfocar o próprio esquema que justifica, no bico tucano, a pecha do governo Lula como “o mais corrupto jamais visto”, isto é, o famoso “valerioduto”.

Ao contrário do que pregam, o “valerioduto” não é invenção do PT. O lobista mineiro Nilton Monteiro, durante a CPMI dos Correios, revelou documentos – cuja autenticidade foi comprovada pela Polícia Federal – que indicam caixa dois do PSDB em Minas Gerais na campanha de Eduardo Azeredo em 1998.

Para isso, os tucanos, com a mesma falta de responsabilidade com que elegeram Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara, limitam-se a defender que a corrupção deles é “pontual”, enquanto a corrupção petista é “sistêmica”. Belíssima explicação! E até hoje Azeredo não consta na lista de cassáveis!

Para ficarmos na corrupção “pontual” do valerioduto tucano, citemos mais dois casos. Primeiro: em nota técnica à disposição da CPMI dos Correios, consta que a famosa agência SMP&B de Marcos Valério recebeu, entre 1997 e 1998, cerca de R$ 104 milhões, em valores de 2005, em uma conta do Bicbanco (Banco Industrial e Comercial S/A), de duas entidades públicas à época dirigidas por tucanos – a Telesp e a Fundacentro, ligada ao Ministério do Trabalho e Emprego. Detalhe: o contrato entre a Telesp e a SMP&B previa o pagamento de valor dez vezes menor do que o efetivamente realizado.

Segundo caso: duas empresas de Valério, além de outra ligada a ele, receberam R$ 2,48 milhões entre 1999 e 2004 para a realização de campanhas educativas e de prevenção na área de saúde em Goiás, cujo governo é do PSDB. Os pagamentos, sob responsabilidade da secretaria de Saúde do Goiás, foram feitos sem cobertura contratual, sem licitação e com indícios de fraude. Corrupção “pontual”, sei, sei...

Mas isso ainda pode não ser o pior. Sempre houve muita fumaça acerca das privatizações processadas no governo FHC, o que, é claro, jamais ensejou CPI nenhuma durante o reinado de Fernando 2º. Entre 1999 e 2002, cem empresas foram privatizadas – a esmagadora maioria sob a tutela tucana –, sendo arrecadados US$ 105,5 bilhões.

Entretanto, apesar da promessa de abatimento da dívida pública com esses recursos, a dívida praticamente dobrou entre 1995 e 2002! Apesar das juras de crescimento, os juros escorchantes falaram mais alto, e o crescimento ficou, em média, abaixo de 3% nos oito anos de governo FHC!
Apesar da expectativa de atração de recursos de fora, US$ 15,5 bilhões utilizados nas privatizações foram financiados pelo BNDES e fundos de pensão de empresas estatais brasileiras! E o BNDES ainda teve que correr atrás de inadimplentes no setor elétrico e ferroviário !
E os críticos tucanos ainda têm a cara-de-pau de dizer que o governo Lula protagoniza “o maior escândalo de corrupção da história”?!

No âmbito ético, se o governo Lula é uma decepção, como apregoam pelos quatro cantos o PSDB e seus aliados, o que seria o exemplo de 8 anos de governo por eles legado? O que nos faria convencer a nós, brasileiros, que um novo governo do PSDB, seja lá sob o comando de Alckmin ou Serra, mas sob a égide dos mesmos interesses das elites eternamente dominantes – para não falar dos mais arcaicos setores da sociedade brasileira, sobretudo aqueles representados pelo PFL, um partido oriundo da ditadura militar, e hoje umbilicalmente ligado aos tucanos –, seria absolutamente diferente da gestão FHC?

Por tudo isso, enfim, quem bem analisa e compara o nosso governo e o deles, sabe bem qual a melhor opção. É o que os tucanos temem. E é por isso que, apesar de tanto tempo de massacre na imagem do governo e do partido, de tantas acusações falaciosas e de tanta hipocrisia, o povo brasileiro parece estar percebendo que a melhor opção continua a ser Lula.

Por João Felício Quirino, 33 anos. Economista e cientista político.

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